quarta-feira, 15 de abril de 2015

CURSO DE MASTOLOGIA PÓS GRADUAÇÃO MED PUCRio Aconteceu o Módulo de Patologia (Anatomia Patológica) do curso supracitado no dia 8 de novembro de 2014 no Auditório do Centro Médico Richet, na Barra da Tijuca do Rio de Janeiro, das 8h até às 12h. Foram palestrantes o Dr. Leonardo Hoehl Carneiro (Lesões intraepiteliais mamárias), o Dr. Humberto Carvalho Carneiro (Lesões malignas e subtipos especiais), a Dra. Mônica Pureza de Almeida (Fatores prognósticos clássicos) e o Dr. Roberto Alfonso Arcuri (Painel Imuno-histoquímico; Fatores preditivos; Assinaturas genéticas e perfis moleculares; Novas possibilidades de avaliações prognósticas.).
O que significa “câncer”. A palavra “câncer” significa neoplasia maligna. Trata-se de um tumor de crescimento autônomo, capaz de infiltrar os tecidos adjacentes e de provocar metástases à distância do tumor primário. Para isto é imprescindível que nos tumores malignos de linhagem epitelial chamados de carcinomas, exista a ruptura da membrana basal e por tanto, que haja infiltração do tecido conjuntivo adjacente. Daniel Bonfil e Graciela Scharovsky em seu livro sobre “Oncologia molecular e celular” falam isto com clareza: “Tradicionalmente, se diz que o câncer é um crescimento relativamente autônomo de células que proliferam sem respeitar os mecanismos de controle normais, que invadem os tecidos normais adjacentes e que, em algumas ocasiões, se disseminam a órgãos distantes da origem”. “Às características biológicas e moleculares próprias sumam-se duas consideradas imprescindíveis para que um tumor se converta em maligno: a capacidade de se desprender do sitio que o originou primariamente para invadir tecidos vizinhos e a de se disseminar aos órgãos distantes, fenômeno conhecido como metástases”. Deste modo, podemos inferir que todas aquelas lesões que sejam identificadas como “carcinomas in situ” ou “displasia epitelial” que mantêm a membrana basal íntegra e consequentemente não infiltram os tecidos vizinhos, não serão considerados “cânceres”. Muito se tem debatido sobre qual terminologia deve ser usada nestas lesões que estão limitadas ao epitélio. No livro da Organização Mundial da Saúde sobre Classificação de Tumores, especificamente sobre Patologia e Genética dos Tumores do Sistema Urinário e de Órgãos Genitais Masculinos no capítulo 2. Tumores do Sistema Urinário, subcapítulo Tumores uroteliais não invasivos, lemos no item sobre displasia urotelial: “Desde que a displasia epitelial pode ser mimetizada por atipias inflamatórias e até por epitélio normal, o espectro de alterações atípicas do urotélio que são insuficientes para incluirmos como carcinoma in situ é descrito em conjunto.” Na definição de displasia urotelial, afirmam: “Displasia (neoplasia intraurotelial de baixo grau) são alterações arquiteturais e citológicas apreciáveis no sentido de ser pré-neoplásicas, porém insuficientes para ser um carcinoma in situ”. No item sobre carcinoma in situ urotelial afirma na definição: “Trata-se de lesão plana não papilar na qual o epitélio de superfície contém células que são citologicamente malignas”. Como sinônimo inclui: “neoplasia intraurotelial de alto grau”. No parágrafo destinado ao prognóstico, estabelece que: “Os dados sugerem que o carcinoma in situ de novo ou primário, progride menos provavelmente para uma doença invasiva que um carcinoma in situ secundário”. Assim sendo, podemos afirmar com certeza absoluta que estas lesões aqui explicitadas e com o aval da Organização Mundial da Saúde não são cânceres e sim lesões pré-neoplásicas sem capacidade invasiva nem metastatizante. No livro de Juan Rosai (Patologia Cirúrgica de Rosai e Ackerman. Edinburgo: Mosby Elsevier, 2011, 10ª Edição, 2636 páginas), considerado o livro mundialmente mais importante e difundido da patologia cirúrgica, no capítulo de trato urinário, bexiga, e no item “carcinoma in situ e displasia”, se define que: “Muitos casos de carcinoma in situ (CIS) e displasia da bexiga (também conhecidos, respectivamente, como neoplasia intraurotelial de alto e baixo grau) são vistos em associação com carcinoma urotelial convencional e são especialmente comuns em tumores de alto grau”. “Às vezes, o carcinoma in situ é achado na bexiga na ausência de um componente invasivo, quase sempre associado com vários graus de hiperplasia e displasia”. “Os critérios microscópicos são essencialmente os mesmos que para os carcinomas in situ de outras localizações (notavelmente o colo uterino) e são geralmente definidos como a substituição parcial ou total da superfície urotelial por células que tem elementos morfológicos de carcinoma, mas faltando outras alterações arquiteturais que o aumento das camadas celulares”. “Assim sendo, por convenção, o termo ‘carcinoma in situ’ da bexiga é reservado para lesão de alto grau com atipias citológicas pronunciadas, mas faltando uma configuração papilar”. Este conceito de lesões pré-neoplásicas, onde se incluem as displasias epiteliais e carcinomas in situ, se estende também a outros setores. No mesmo livro, no capítulo de lesões pseudotumorais e tumorais da pele e no item sobre lesões melanocíticas atípicas in situ observamos as seguintes asseverações: “Um dos mais controvertidos aspectos na patologia do sistema melanocítico é a avaliação e nomenclatura das lesões melanocíticas atípicas que estão limitadas à epiderme”. “Termos como hiperplasia melanocítica atípica (intraepidérmica, pré-maligna), nevo displásico lentiginoso, displasia melanocítica, neoplasia intraepidérmica melanocítica (MIN), melanose pré-maligna e melanoma in situ têm sido utilizados para estes processos, dependendo da localização, algumas variações em aspectos morfológicos e – muitos deles – preconceitos do observador”. “Em geral, nós temos evitado o termo ‘melanoma in situ’ para lesões deste tipo no sentido de prevenir procedimentos cirúrgicos desnecessários e excessivos no paciente”. “Nós pensamos que nomes descritivos como ‘hiperplasia melanocítica atípica’ ou termos equivalentes como ‘proliferação melanocítica atípica intraepidérmica’ e ‘neoplasia intraepitelial melanocítica’ identificam a natureza do processo enquanto evitam a muito indesejável consequência de palavras ‘maligno’ e ‘melanoma’.” Continuando com os dados fornecidos pelo livro de Rosai já citado, no capítulo de patologia mamária, no item de Nomenclatura das lesões proliferativas ductais e lobulares da mama identificamos que: “Desde que persistem elementos de subjetividade na interpretação microscópica destas lesões e que é improvável que sejam eliminados em curto prazo, e em vista do fato que as atuais interpretações sugerem uma clara separação tanto quanto as evidências parecem indicar, nós propusemos a muitos anos que seja considerada a possibilidade de adotar uma terminologia como a ‘neoplasia intraepitelial mamária’ (NIM) seja do tipo ductal ou lobular, seguida por um sistema de graus, de acordo com a tendência de muitas outras localizações, tais como colo uterino, próstata (PIN) e trato gastrointestinal”. Dos textos explicitados do Dr. Rosai vemos que se reiteram os conceitos de que as lesões neoplásicas intraepiteliais não são consideradas “câncer” stricto sensu, e apesar de até utilizar o termo ‘carcinoma’ como lesão in situ. O afamado e reconhecido Professor Umberto Veronesi da cidade de Milão (Itália), que tanto há contribuído ao conhecimento e tratamento do câncer de mama, publicou em 2009 um trabalho científico na revista internacional The Breast Journal (ver Anexo 3, tradução juramentada) com o seguinte título: “Repensando o TNM: uma classificação do câncer mamário para guiar o tratamento e facilitar a pesquisa”. No item O tumor primário, subitem doença intraepitelial, o Dr. Veronesi afirma: “A primeira alteração que propomos é eliminar o termo ‘carcinoma in situ lobular e ductal’. Pelo conhecimento comum, a palavra ‘carcinoma’ implica a habilidade para invadir e metastatizar e, portanto, malignidade”. “Porém, os carcinomas lobulares ou ductais in situ não invadem nem metastatizam; eles não são malignos e deveriam não ser considerados carcinomas”. (O grifo é nosso). “Nós propomos em lugar disso o sistema de Tavassoli, quem substitui a nomenclatura de ‘carcinoma ductal ou lobular in situ’ por vários graus de ‘neoplasia intraepitelial ductal ou lobular’ (DIN e LIN). Como estas neoplasias não metastatizam (o grifo é nosso), as categorias N e M não se aplicam, e DIN e LIN são excluídas de nossa nova classificação TNM”. Novamente, todos os conceitos elaborados pelo Dr. Veronesi coincidem em considerar que as lesões intraepiteliais por não invadir nem metastatizar não podem ser consideradas equivalentes ao câncer. As propostas da Dra. Tavassoli – citadas pelo Dr. Rosai e pelo Dr. Veronesi – encontram-se em diversas publicações científicas em inglês e, principalmente, estão explicitadas no seu livro ‘Tumores da Glândula Mamária’, editado pelo Instituto de Patologia das Forças Armadas dos Estados Unidos de Norteamérica, órgão que à semelhança da Organização Mundial da Saúde publica Atlas de Patologia Tumoral de diversos órgãos. No capítulo 4 Neoplasia Intraepitelial ductal deste livro, a Dra. Tavassoli afirma: “Tem sido determinado um aumento do risco para desenvolver um carcinoma invasivo subsequente para as diversas lesões proliferativas intraductais”. “A magnitude do risco varia com a severidade da lesão e aumenta com a progressão de uma hiperplasia ordinária (baixo risco) para um carcinoma intraductal de alto grau (alto risco)”. “A classificação DIN (neoplasia intraepitelial ductal) considera todas as proliferações intraductais como fatores de risco (o grifo é nosso) embora de diferentes magnitudes, para o desenvolvimento subsequente de carcinoma invasivo”. De tudo o exposto, podemos afirmar com absoluta convicção que a palavra “câncer” significa “tumor maligno capaz de invadir os tecidos vizinhos e de colonizar em órgãos distantes do sítio de origem, fenômeno conhecido como metástase”. As lesões atípicas intraepiteliais que não possuem capacidade de invadir nem de metastatizar não devem ser considerados como “câncer” e sim como fatores de risco de vir ter no futuro uma lesão invasiva, independentemente das polêmicas existentes sobre a nomenclatura e classificação destas lesões in situ ou intraepiteliais. Referências bibliográficas Bonfil RD, Scharovsky OG. Capítulo 2. Biología de la Célula Tumoral. In: Bonfil RD, Scharovsky OG (Eds). Oncología molecular y celular. Buenos Aires: Editorial Dunken, 2003; p.40. Sauter G, Algaba F, Amin MB et al. Chapter 2. Tumours of the Urinary System, Non-invasive urothelial tumours: Urothelial dysplasia. In: Eble JN, Sauter G, Epstein JI, Sesterhenn I (Eds). Pathology and Genetics of Tumours of the Urinary System and Male Genital Organs. World Health Organization Classification of Tumours. WHO. Lyon (France): IARC Press, 2004; p. 111. Sesterhenn I.Chapter 2. Tumours of the Urinary System, Non-invasive urothelial tumours: Urothelial carcinoma in situ. In: Eble JN, Sauter G, Epstein JI, Sesterhenn I (Eds). Pathology and Genetics of Tumours of the Urinary System and Male Genital Organs. World Health Organization Classification of Tumours. WHO. Lyon (France): IARC Press, 2004; p. 119. Ordóñez NG, Rosai J. Urinary Tract. In: Rosai J. Rosai and Ackerman’s Surgical Pathology. Edinburgh: Mosby, Elsevier, 2011; pp. 1247-1286. Rosai J. Skin. Tumors and tumorlike conditions. In: Rosai J. Rosai and Ackerman’s Surgical Pathology. Edinburgh: Mosby, Elsevier, 2011; p. 167. Rosai J. Breast. In: Rosai J. Rosai and Ackerman’s Surgical Pathology. Edinburgh: Mosby, Elsevier, 2011; p. 1681. Veronesi U, Zurrida S, Viale G, Galimberti V, Arnone P, Nolè F. Rethinking TNM: A Breast Cancer Classification to Guide to Treatment and Facilitate Research. The Breast Journal 2009; 15(3):291-295. Tavassoli FA, Eusebi V. Tumors of the mammary gland. 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