segunda-feira, 23 de julho de 2012
REVISITANDO PAPANICOLAOU
Falar em prevenção do câncer de colo uterino é lembrar-se de Papanicolaou. Sua técnica para a detecção de células malignas num esfregaço, mundialmente conhecida como o Pap ou preventivo ginecológico, foi o grande motor para a redução da mortalidade por esta doença no século XX.
Porém, por diversas causas, ela não é capaz de identificar todas as pacientes que portam lesões no colo uterino. Somente o fará em 50% delas. Ou seja, a metade das mulheres com lesão receberá um diagnóstico de benignidade e, portanto, um falso-negativo. Este diagnóstico é pior que um falso-positivo. Enquanto neste último um estudo subsequente irá mostrar o erro, no outro, ao comunicar à paciente e ao médico um falso estado de benignidade postergará a ação que deveria ser tomada para controlar a doença, perdendo-se a oportunidade de cura. Pode acontecer que ao retornar a paciente à consulta a doença se encontre num estado mais avançado.
Esta baixa sensibilidade e suas consequencias levaram no final do século passado à busca de novas alternativas. A citopatologia em meio líquido se mostrou viável rapidamente e inicialmente o ThinPrep™ (Cytyc Co.) e posteriormente o SurePath™ (Becton, Dickinson and Co.), pela suas simplicidades, automação e, principalmente, pela maior capacidade na detecção das doenças, tornou-se o substituto ideal do clássico Pap. Diversos países (Gran Bretanha, USA, Canadá, etc.) e renomados centros médicos (A.C.Camargo de São Paulo) têm optado pelo meio líquido. Ambos os métodos tem sido aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos da América para substituir o Pap tradicional.
A relação do vírus do papiloma humano (HPV na sigla inglesa) com diversos cânceres representou um novo paradigma, apontando para a etiologia viral.
O patologista ou citopatologista ao estudar a as amostras identifica alterações morfológicas nas células atribuídas à ação viral e classifica as lesões em intra-epiteliais (ou pré-neoplásicas) ou em invasivas. Para complementar estes estudos surgiram técnicas e métodos da biologia molecular que permitiram confirmar a presença do vírus no núcleo das células. Estes métodos sejam pela Captura Híbrida™ (Digene, Qiagem) ou pela técnica da PCR (reação em cadeia pela polimerase na sigla inglesa) foram difundidos rapidamente e seus resultados contribuem muito para o diagnóstico e para estabelecer com precisão o risco. Dada a existência de diversos tipos de vírus HPV foram definidos grupos de risco neoplásico (alto ou baixo), em relação à possibilidade de vir acontecer uma lesão maligna invasiva.
O trabalho realizado na Índia pelo Dr. Rengaswamy Sankaranarayanan, da Agencia Internacional para Pesquisas em Câncer, de Lyon, França, financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates, obteve conclusões surpreendentes. Estudou 131.746 mulheres entre 30 e 59 anos durante 8 anos. No texto, publicado na prestigiosa revista científica The New England Journal of Medicine, o cientista estabeleceu que o grupo dos pacientes que realizou a detecção genômica do vírus utilizando a Captura Híbrida™, teve uma significativa redução na taxa de mortalidade quando comparado com o grupo controle e com o grupo estudado pelo Pap. O mais interessante, porém, é que nenhumas das mulheres com um resultado negativo pela Captura Híbrida™ faleceram por câncer de colo uterino. Isto representou uma significativa redução na taxa de falso-negativos.
Brasil, neste início do século XXI, está preste a se transformar numa potência mundial. Nada mais justo. Porém, no caso da detecção precoce das lesões do colo uterino, a grande maioria de suas estruturas de saúde continua utilizando as mesmas técnicas estabelecidas no início do século passado.
Papanicolaou foi um pioneiro naquela época. Se hoje fosse vivo, com certeza, lutaria pela implantação da citologia em meio líquido e pela detecção do vírus no genoma celular. Oferecer estas possibilidades é um imperativo: a ciência exige e a mulher merece. Estamos na hora de mudar.
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